domingo, 15 de dezembro de 2013

Literaturas Marginais e Fotografia



Neste blogue dialoga-se com a reflexão de Alfredo Bosi no texto A escrita e os excluídos, em que são cotnsideradas duas relações: a primeira cuja visão apresenta o excluído social ou o marginalizado como objeo da escrita. Os exemplos citados e comentados por Bosi são:

  • o pobre tipificado pelo romance naturalista como, por exemplo, na obra O cortiço de Aluísio Azevedo;
  • o pobre que sai de um conto regionalista, conto este tocado de profunda simpatia pela cultura popular, como acontece na narrativa gaúcha de Simões Lopes Neto ou na caipira de Valdomiro Silveira;
  • o Jeca estigmatizado na pena de Monteiro Lobato;
  • a introdução na escassez sertaneja, realizada por Euclides da Cunha, que lança um olhar ambivalente, ao mesmo tempo distanciado (de repórter e cientista) e compassivo (de homem humano), determinista e indignado: o massacre de Canudos aparece a Euclides como uma fatalidade étnica e histórica, denunciado como um crime contra uma humanidade marginal – o que faz a grandeza e o paradoxo de Os sertões;
  • o marginal de Lima Barreto que esta a beira do patológico: e o intelectual mulato, humilhado e ofendido; e do seu ressentimento imponente nasce a potência da sua crítica social e política;
  • o pobre construído pelo Graciliano de Vidas secas, tão-só com as pedras da necessidade;
  • os viventes do sertão mineiro plasmados pela fantasia poética de Guimarães Rosa;
  • o índio de Antônio Callado em Quarup;
  • o índio de Darcy Riberio em Maíra;
  • o regionalismo do sergipano Francisco Dantas, em Coivara da memória e em Os desvalidos;
  • os romances do engenho e do cangaço de Jose Lins do Rego;
  • a experiência da vida rural estilizada na prosa goiana de Bernardo Elis;
  • as agruras do operário na cidade grande transpostas pelas narrativas de Roniwalter Jatobá;
  • a fusão original entre a pobreza e a boêmia trazida ao primeiro plano da escrita por João Antônio.

            A segunda maneira de lidar com a relação entre o excluído e a escrita, segundo Bosi, procura entender o polo oposto: o excluído enquanto sujeito do processo simbólico. Tal olhar vem dos anos 70 do século XX, mas tem raízes românticas, ou seja, no século XIX, quando é cunhado, por exemplo, o termo folklore, que significa “sabedoria popular”. Bosi ressalta que romantismo, indianismo, nativismo e paixão pela cultura popular vingam no mesmo clima de emancipação do Antigo Regime europeu. Quanto ao Brasil, os trabalhos de levantamento e transcrição dos materiais de base, ainda segundo Bosi, foram cunhados por, no século XIX: José de Alencar, Juvenal Galeno, Celso de Magalhães, Couto de Magalhães, Sílvio Romero e João Ribeiro. No século XX, por: Amadeu Amaral, Mário de Andrade, Renato Almeida, Lindolfo Gomes, Augusto Meyer, Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Cavalcanti Proença, Oswaldo Elias Xidieh, Theo Brandão, Ariano Suassuana, entre outros.
            Classificando tal período brasileiro como uma operação de passagem, Bosi justifica esse termo paradigmático como o momento pelo qual o letrado brasileiro foi incorporando ao repertório do leitor culto os signos e as imagens de um estilo de vida interiorano, rústico e pobre. Ressalta que o uso ideológico dessa valorização do popular dependia e depende da visada conservadora ou progressista do pesquisador e dos seus leitores, por isso, a questão da cultura popular, em termos ideológicos de regresso e resistência, é ainda hoje uma questão aberta. Lembra, ainda, que, formalmente, a oralidade sempre esteve no cerne de toda expressão arcaico-regional e as exceções constituem o que ele mesmo denomina como cultura de fronteira.
            Como exemplo deste último conceito, cita a situação dos narradores de cordel, que transpõem para a letra de forma as histórias que eram anteriormente apenas recitadas ou cantaroladas por repentistas anônimos. A partir dos fins do século XIX, esses cantadores começam a assumir a condição de autores individualizados. Outro exemplo de cultura de fronteira citado por Bosi e o de Carolina de Jesus, uma favelada alfabetizada, cujo diário Quarto de despejo, publicado em 1960, foi traduzido para várias línguas e atingiu um milhão de exemplares. Por fim, na segunda parte desse ensaio, Bosi tentará responder à pergunta: como o excluído entra no circuito de uma cultura cuja forma privilegiada é a letra de fôrma?
            Ao comentar sobre o livro Literatura e Resistência, que reúne diversos ensaios de Alfredo Bosi e a cujo ensaio, A escrita e os excluídos, resumido anteriormente, pertence, Ferreira Gullar analisa que Bosi demonstra que, no Brasil, os ideais de nação e progresso do século XIX europeu adquirem coloração específica por conta da ausência de burguesia. Sendo assim, esses ideais aqui revelavam nossa carência e implicavam nossa afirmação como povo, resultando no agravamento da necessidade de subemeter-se a apreciação da obra literária às exigências ideológicas do nacionalismo e de entender-se o processo literário não como a história das obras e sim como simples momentos de um processo evolutivo. Gullar, então, conclui que Bosi nos mostra como a valorização dos fatores formais e as novas concepções estéticas tornaram insustentável a subestimação, por parte dos teóricos, da autonomia da criação artística propriamente dita e conclui que os primeiros passos nesse sentido haviam sido dados por Mário de Andrade e Tristão de Athayde e aprofundados por Otto Maria Carpeaux, Antonio Candido e o próprio Alfredo Bosi.